Select Page

http://www.dn.pt/artes/interior/um-piano-na-pena-como-se-fosse-o-de-liszt-5703744.html
4/03/2017 © Diário de Notícias

Um piano na Pena, como se fosse o de Liszt

Vasco Dantas irá tocar, entre outras obras, a ‘Morte de Isolda’, da ópera ‘Tristão e Isolda’, de Wagner, transcrita para piano solo por Liszt

| GUSTAVO BOM/GLOBAL IMAGENS

Começa esta noite (21.00) a 3.ª edição dos Serões Musicais no Palácio da Pena, com um recital pelo jovem pianista Vasco Dantas no Salão Nobre. Em cada sábado de março haverá um concerto.
Ele é já um dos valores mais seguros dentre a nova geração de pianistas portugueses e toca mais logo no Palácio da Pena, na abertura da edição 2017 dos Serões Musicais. “Nunca lá toquei e nem conheço a sala [à data do dia em que falámos], excepto por fotos”, declara Vasco Dantas, 24 anos e natural do Porto.

No seu programa, consta um só compositor: “Quando me convidaram, houve a sugestão de que incluísse obras de Liszt, talvez devido ao meu CD Golden Liszt (editado em 2016). Mas depois, pensando, achei mais interessante abordar diferentes facetas da obra de Liszt e “fugir” um pouco das peças mais virtuosísticas”, explica. Forjou assim uma “peregrinação” (título do concerto) geográfica e também pela vida do compositor: “Há as transcrições para piano de obras de outros compositores – no caso, de Bach, de Schubert e de Wagner; há, dentro das obras originais, os 3 Sonetos de Petrarca, que no fundo são de certo modo transcrições de originais seus para canto e piano e que remetem para as suas viagens por Itália. E há, a fechar, a Rapsódia Espanhola”, esta assim explicada: “Ela provém de uma peregrinação dele importante para nós, que foi a digressão que ele fez pela Península Ibérica. E a obra, apesar de se chamar Espanhola, inclui também temas portugueses”.

Liszt esteve em Portugal em janeiro e fevereiro de 1845, no auge da sua celebridade: “Ele deu vários concertos cá e chegou a tocar para a rainha D. Maria II e seu consorte D. Fernando, que foi quem mandou construir a Pena. Por isso, também há esta ligação com o lugar.”

Presente nos seus dois CD, como agora no recital desta noite, Liszt é, na opinião de Vasco, “um dos revolucionários do piano no século XIX”, tanto assim que o leva a afirmar que “há um pré-Liszt e um pós-Liszt na história do piano”. Por outro lado, considera, “a sua vida longa [faleceu com quase 75 anos] é refletida na evolução da sua música, por exemplo: as obras que escreveu no final da vida já prenunciam as obras de Arnold Schönberg [1874-1951]!” Fala da “abrangência musical gigantesca” de um autor que “levou o instrumento para um patamar muito superior àquele em que o recebeu”.

Mas Vasco não quer ficar demasiado associado a Liszt: “Já tenho em previsão os meus 3.º e 4.º CD, e do 3.º, que será talvez editado em 2018, posso desde já dizer que não terá obras de Liszt, sendo antes dedicado a autores do século XX, como Ravel, Balakirev, Stravinsky, Gershwin e Friedrich Gulda”.

Sobre os dois discos que gravou até agora – Promenade, com obras de Liszt e Mussorgsky, em 2015; e o citado Golden Liszt, monográfico – afirma que “têm tido uma receptividade bastante boa, melhor do que inicialmente previra, até. Ambos têm vendido bastante bem e o Promenade até está esgotado”. Conta ainda que, nos seus concertos, “as pessoas vêm ter comigo, elogiando as gravações” e que “na Alemanha, duas rádios oficiais regionais já passaram os meus CD em direto, e numa delas até há uma crítica online do Golden Liszt. E em Portugal, a Antena 2 também já o fez”.

Ambos os discos saíram na KNS Classical, selo discográfico da agência de artistas KNS: “É muito engraçada a minha história com esta agência: conheci certa vez um jurado num concurso e, uns dez anos depois, ele tinha entretanto co-fundado a KNS e, como vinha acompanhando o meu percurso desde então, convidou-me para integrar o elenco de artistas deles!”

Reputa de “crucial” o papel do agenciamento, “se um jovem músico se quiser afirmar, pelas óbvias vantagens que traz haver um suporte atrás de ti a ajudar”. Diz que em Portugal, “sendo um país pequeno, a parte da divulgação até é mais fácil, mas por outro lado, a divulgação cultural e a qualidade da informação aí contida são muitas vezes insuficientes”. Por comparação, refere o caso da Alemanha: “Aí, funciona tudo na base dos vários Länder[estados federados]: cada Land tem os seus programas e programações culturais próprios, a sua agenda própria. E mesmo a rádio funciona a nível de Land, daí que a promoção tenha de ser feita regionalmente.”

Dos seus colegas de geração pianistas também em afirmação, Vasco conta: “Sendo eu do Porto, comecei a entrar em concursos de piano ali pela região – e até entrei em bastantes! – e reparava que os outros concorrentes, ao fim de um tempo, eram sempre os mesmos. Vários não seguiram, mas dos que continuaram, tenho acompanhado os percursos do Raúl Peixoto da Costa, que está, como eu, na Alemanha [em Hannover]; do Pedro Gomes, que está em Londres; e da Marta Patrocínio, que está em Zurique.”

Baseado, ele, em Münster, Vasco iniciou este ano uma pós-graduação em piano na Universidade local, instituição onde, em julho de 2016, terminou o Mestrado. Num como na outra, o orientador é o mesmo: Heribert Koch. “Conheci-o em 2013 numa masterclass e quando terminei a licenciatura em Londres, fiz aulas preliminares com vários mestres em várias escolas na Alemanha e foi ele o que me agradou mais e com quem tive mais prazer em trabalhar. E por isso fui para Münster!”

Na cidade, Vasco integra “uma pequena comunidade de jovens músicos portugueses”, a qual se vê frequentemente alargada “com outros que estudam em Detmold e em Colónia”. Na metrópole renana, cita “o oboísta João Miguel Silva, com quem eu formei um duo. Fazemos concertos de vez em quando e, por isso, encontramo-nos para ensaiar com alguma frequência”. A vertente não solística de Vasco Dantas tem ainda uma segunda expressão: “Também toco com o violinista Álvaro Pereira, que está em Detmold. O nosso duo chama-se InTwo e até vamos tocar proximamente na Baviera, em maio e depois em julho.”

Terminada a pós-graduação, Vasco pensa seguir para um Doutoramento em performance: “Aí, penso rumar para outro lado, mas preferencialmente será na Europa. Gostaria de regressar a Inglaterra, se bem que agora com o Brexit, esteja tudo mais incerto, não é?… Mas ainda está tudo muito no vago.”

A próxima oportunidade para ouvir Vasco Dantas aqui por Lisboa não tarda muito: “Farei um recital a solo a 29 de abril, nos Dias da Música no CCB, tocando Schumann, Liszt/Wagner e Stravinsky/Agosti”. Uma semana depois, faz 25 anos.

Serão a Serão

Ópera e caricatura
No próximo sábado, dia 11, os Serões Musicais viram para uma agulha bem diferente. O protagonista, ainda que, paradoxalmente, indireto, será o caricaturista (entre várias outras coisas) Rafael Bordalo Pinheiro. “Habitué” do Teatro de São Carlos e das operetas no Trindade, Bordalo deixou-nos um vasto acervo de caricaturas (editadas pela Colibri) retratando esse mundo. Algumas delas serão projetadas ao longo deste recital preenchido com trechos das óperas de maior sucesso na Lisboa da Belle Époque e algumas peças instrumentais. Comentários pelo pianista João Paulo Santos e pela musicóloga Luísa Cymbron.

Recordar Alfredo Keil
Outra personalidade artística multifacetada, Alfredo Keil domina por completo o terceiro Serão Musical na Pena, no dia 18. A canção de câmara, a pequena peça para piano ou para violoncelo, excertos das suas óperas – o autor de A Portuguesa foi também o criador da ópera em língua portuguesa e de temática nacional -, nessa noite se fará uma espécie de antologia da sua produção musical. Entre os intérpretes, destaque para o jovem soprano sul-africano Siphiwe McKenzie, uma voz em afirmação na Europa que faz a sua estreia em Portugal; e para a violoncelista Irene Lima. De novo com os comentários dos acima citados.

Canções em romance
O canto ainda em destaque no Serão final da edição deste ano, no dia 25. Mas agora é a canção de câmara em língua alemã, vulgo Lied. Em concreto, A Bela Magalona, ciclo de Johannes Brahms (1833-97).
Intérprete será (cremos que em estreia em Portugal) o barítono alemão Christian Hilz. Mas, contextualizando a temática cantada, a atriz Lígia Roque recitará excertos do romance de Ludwig Tieck do qual Brahms retirou as poesias que musicou. Era uma vez a bela princesa Magalona, filha do rei de Nápoles, cujos olhos cruzaram certo dia os de um garboso cavaleiro, o conde Pedro da Provença. O amor entre ambos foi imediato…